Brasil - Fortaleza Capital do Ceará - Lagoinha; Cumbuco; Caponga; Morro Branco; Praia das Fontes; Canoa Quebrada

O que encontrei? Um povo hospitaleiro e inspirador à diversão, berço dos maiores comediantes brasileiros, que nos remete para essa arte tão nobre que é fazer rir.

Muito mar e muito sol brilhando com águas sempre mornas. A brisa marinha suaviza a constante temperatura entre os 23 e 30ª C.

Da culinária nem se fala, frutos do mar excelentes, belas lagostas, muito caranguejo, aliás, às quintas-feiras todo o cearense come caranguejo, mas a oferta não se fica por aqui e a carne foi das mais deliciosas que encontrei, com as suas famosas e saborosas picanhas.

Tanto a sua Costa Poente (Lagoinha, Cumbuco) como a sua Costa Nascente (Caponga, Morro Branco, Praia das Fontes, Canoa Quebrada) oferecem praias deslumbrantes diferentes entre si, que se vêem, sentem-se, escutam-se e nos fazem guardar lembranças sui generis. Praias largas, muitas ainda em estado primevo e em geral habitadas por comunidades de pescadores que preservam suas memórias. Coqueirais, mangueirais, falésias de areias coloridas transporta-nos a outro universo de enamoramento. É como estivéssemos apaixonados por uma mulher e todas as outras fossem seres assexuais.


Os superficiais, os simples, que apreciam sumariamente o amor, julgando-o uma relação social grosseira como todas as outras só os posso chamar de ingénuos. Encontrei plateias entre o cheiro das curvas das mulheres nuas e dos mamões sumarentos e doces, dei-me conta do meu infantil entusiasmo como de um menino de um qualquer Sagrado Coração de Maria fugido ao colégio atrás do seu primeiro amor.

Nesse estado de serenidade mas também de desassossego vivi os dias passados naquele lado do Atlântico como dois amantes que estão no limiar da maturidade e que mentirosamente chamam segunda juventude, a separação de uma amante é uma operação atroz. Já demos demasiado de nós, demasiado foi comunicado para podermos readquirir inteira a nossa individualidade. Ao contrário dessa atrocidade encontrei reciprocidade. Posso parecer incoerente! Sim sou incoerente. Até porque é tão estúpido e tão fácil ser coerente. Basta dizer sempre a mesma coisa. A coerência é a cristalização das ideias e isso vai contra a minha higiene mental. Abaixo os sempre coerentes.



Falando de higiene mental, troquei o misantropo pelo vagabundo. Gosto de deambular, alimentar em mim o procurista de novos espaços bafejados pelo tempo. Espaço e tempo é algo retribuído com capacidade despida de subterfúgios, desencontrada das horas onde ninguém tem tempo preocupados que estão a acumular inutilidades. Claro que nem tudo é linear. A permuta está sempre presente. Até porque uma das maiores fontes de riqueza nesta região é o turismo. O excursionista, ou quem tome essa postura, tem de estar atento. Mas estamos marcados pela distância. Afinal somos o diferente, o que vem da Europa, aquele que pode trazer algum conforto. Vivem do auxílio dos forasteiros e no entanto, fazem-no com tranquilidade. Essa calma, essa imperturbabilidade chega-nos a dar ira. Como é que estas criaturas perante tanta necessidade têm uma conduta de apaziguamento?


Eu gosto da liberdade das pessoas, tal não se faz com ciência. Aliás, é um sinal de impotência estar à espera que nos venha da ciência aquilo que devemos procurar na arte. É essa arte sem cinza, sem mágoa, recheada de emergente alegria, grito de comando que escorre como abacaxi aos cantos da boca, que me lava o mecanismo empedrado ocidental. Ali não encontro equações sentimentais complexas a resolver. Até porque a graça das pausas tem o valor musical do silêncio. Lá despimo-nos em música, porque a música é como um sonho que se conta.

Mas nem tudo é cor-de-rosa, por onde tenho andado, há sempre alguém que nos propõe uma ou outra chancela de cuidados reles. E esse alguém é: “o néscio que pensa”. Como em todas as cidades se encontra um MacDonalds, em cada grupo existe um “néscio que pensa”, ou seja, aquele que tem opinião politica formada sobre o mundo, exalta os benefícios do leite e da cerveja, sustenta gravemente que tudo é relativo e que a excepção confirma a regra e, quando alguém emite uma opinião um pouco singular, ele rosna com sarcasmo, reservando-se para na primeira ocasião, desembuchá-la solenemente como sua.



Por isso gostei deste povo simples, sem ser simplório. Hoje que todos se fazem de interessantes, os únicos verdadeiramente interessantes são os que não são. Por isso, a única aristocracia que eu reconheço é a aristocracia da inteligência.


Tudo se pode fingir, mas quem finge por uma atitude de snob ao fim de alguns dias atraiçoa-se. Estou habituado a estar só no meio da multidão, ao revés, nesta região cearense, na mais desoladora das aldeias porque que passei, não se encontra solidão, pois basta conhecer uma só pessoa para vê-la a cada passo a nossos pés. Quando saímos do país e se tem a sorte de ignorar a língua, todos parecem geniais; quando não sabemos o que dizem, queremos pensar ou iludirmo-nos que dizem coisas espirituosas e originais. Mas no dia em que começamos a compreende-los, verifica-se que raciocinam como todos os outros. Só que aqui experimento uma língua que conheço, de sonoridade aprazível, afável, macia, despida de hostilidade, gerúndica, musical e que eu compreendia, talvez o mais compreensível dos idiomas.


Conhecia esta gente tão pouco e, todavia, causavam-me ocultas inquietações; tinha trocado poucas palavras e já parecia conhecê-las de anos, andando em companhia delas através de horizontes fantásticos, numa vida anterior.


Eis que chega o momento mais melancólico. Apanho o avião, na Portela levo com um motorista carrancudo a discutir a merda da corrida com o colega do lado. Num gesto de má criação atira-me com um dos troles para o porta-bagagem e parte uma garrafa que se encontra dentro da mala. Arma-se em inocente e ainda por cima diz que a minha preciosa 150 Yipióca vai deixar o carro a cheirar a cachaça. Contenho-me. Lisboa está chuvosa, o pacote ainda não está completo, em breve o frio fará sentir ainda mais a nostalgia dos trópicos.
Hei-de voltar.


Fernando Baleiras